So.correr
Rogério Ceratti*
Não lembro exatamente a data, acho que quando recém tinha feito minha carteira de motorista, tive meu primeiro carro, um fusca cor bege. Ele não era apenas meu, era praticamente um patrimônio da família, pois minha avó comprou do meu tio, depois passou para minha mãe, depois eu usava, depois foi para a minha tia e, após, meu primo. Hoje nem sei com qual parente está.
Naquela época, as preocupações e os problemas não causavam transtorno algum. Tudo era motivo de festa. Até estragar o carro se tornava interessante e é exatamente isso que me faz lembrar um episódio. Estava eu, vindo de algum lugar ou deixando alguém no trem (me esforcei, mas não recordo), e quando entrei no fusca novamente (estacionado na Coronel Vicente, próximo da estação de trem), começou a penúria de tentar ir para casa de carro. Tentei de tudo, mas nada fazia o coitadinho ligar. No mesmo momento comecei a falar com algum amigo pelo telefone, que me disse que iria lá me socorrer. Três apareceram.
Abriam capô, “batiam” ignição. Tentaram tudo que podiam, mas nada solucionava a situação. Até que um indagou: “vamos empurrar?”. Para constar, eu resido no bairro Nossa Senhora das Graças, do outro lado dos trilhos do trem. Eu disse: “não, é longe”. Afinal, eu já havia deixado o carro diversas vezes parado por alguma rua da cidade, depois voltava para buscar. Mas insistiram e eu cedi. Começamos nós quatro a empurrar o “cascudo”. Ele era leve, mas afinal se tratava de uma descida, então todo santo ajuda. Dobramos pela Rua Doutor Barcelos, paramos para comprar umas latas de cerveja, sempre empurrando, conversando, rindo. Quando estávamos passando pelo Condomínio Las Brisas, encontramos mais um amigo, que também aderiu ao esforço. Um deles até perdeu o chinelo no caminho ao atravessar correndo a rua. Até que chegamos ao “viaduto da metrovel” ou cautol, para os mais antigos. Aos novos nem da metrovel é mais. Bom, se já tínhamos ido até ali, o que seria subir um viaduto?
Começamos a correr, empurrar até o topo, quando lá em cima pensamos: “e agora? Como faremos?”. Ele não funcionava e o freio de mão não era bom o suficiente para andar com ele desligado. Um dos cinco pensou: “eu tenho a solução!”. Imagine qual seria. E lá foi ele “segurar o trânsito” para o fusca descer e passar pela Guilherme Schell, entrar na Inconfidência e dobrar na Rua Humaitá. Este “segurar o trânsito” seria apenas para que pudéssemos atravessar até o outro lado, apenas isto, nada mais. Como quem diz: “cara, é só parar o trânsito”. Quando começou o carro a correr na “banguela”, sem freio, apenas o de mão, descendo pelo viaduto, outro já estava posicionado abaixo da sinaleira, caso precisasse parar o trânsito. Mas o sinal “fechou”exatamente quando o fusca passou por baixo da sinaleira. Muita sorte. Naquele momento, quando havíamos chegado a Rua Humaitá, a distância até a minha casa era pouca, umas três quadras. Paramos de correr. Íamos caminhando, rindo do que tinha acontecido e de quem teve a ideia de fazer isso.
Chegamos em casa e o fusca ficou na garagem por alguns dias. Hoje, não está mais comigo. Mas, os amigos que empurraram o carro permanecem. Nada me faz esquecer aquele dia que meus amigos me ajudaram. Estenderam o braço. Fizeram esforço em conjunto. Eu não pedi para eles, eles que se ofereceram. Jamais pediria para que me ajudassem levar o carro a uma distância tão grande. Ainda mais para subir um viaduto. Quando nos deparamos com problemas difíceis e amigos estendem a mão, tudo fica mais fácil. A sociedade precisa mais disso, de solidariedade, de fraternidade. De pessoas pensando no outro. A satisfação de saber que temos a capacidade de ajudar o próximo é impagável, imensurável. Divido esse episódio para demonstrar a gratidão que tive, e sempre terei com esses amigos. Mais do que terem me ajudado a levar meu carro pra casa, esse fato me instiga a ter esperança que o ser humano tem solução, que a humanidade não está perdida e que só depende de nós acharmos ela. Sempre, dentro de si.