Capítulo 3 (Continuação):
por Simone Dutra
O dia amanhecera mais estranho do que o normal. A solidão companheira já não lhe caía confortavelmente e tampouco tranquilo estava, pois, a esta altura, já cogitava uma inconveniente confusão mental que a idade avançada traria. Onde estaria o casal vizinho? Pensou ser aquela mulher que batera na porta a empregada deles. Enganara-se. Sua visão estava turva e as cores não pareciam as mesmas. Vinha da cozinha o insistente chiar da chaleira de água que esquentava para o café. Imóvel, ficou ouvindo o seu cantar, tentando refazer os fatos da noite anterior até ali. A conclusão era de que nada fazia sentido sem a companhia das personagens da janela da casa em frente. Era realmente um triste despertar. Olhou mais uma vez a janela na esperança de algo ter mudado e, sem sucesso, resolveu sair para andar.
O calçadão do centro da cidade estava lotado de pessoas que corriam para seus compromissos. Sentiu saudade da juventude e medo da morte das coisas que o tempo vai levando consigo. De repente, o sol deu as caras com força e um conforto tomou conta do seu corpo como há muito tempo não sentia. Por um instante, esqueceu completamente da rotina à janela em busca de novidades alheias. Retornou para casa revigorado após ter se enxergado novamente no contexto daquela cidade que tanto amava.
Após bater a porta atrás de si, tirou o casaco, afastou as cortinas e avistou surpreso as janelas do casal vizinho totalmente escancaradas. “Que alívio, eles estão de volta e agora tudo estará normal e seguro”. Mas, ao olhar melhor, viu que dentro da casa circulavam pessoas estranhas; nem sinal do casal de quem já era íntimo. Um homem andava de um lado para o outro, falando ao celular, enquanto parte de uma outra pessoa aparecia sentada no sofá sob o reflexo da luz do dia. Não conseguia ouvir o que dizia, pois sussurrava. O homem virou e o viu espiando. Disfarçou se escondendo atrás da cortina e acompanhou dali o homem que aparentemente não havia dado importância a sua presença. Até que ouviu um grito…