Timoneiro

Histórias Cruzadas: A mulher assassinada era inocente ou culpada?

A cada semana uma pessoa segue a história do ponto onde a anterior parou. Os autores não tem controle sobre os próximos capítulos e o que será feito a partir do gancho que deixam ao final de cada um.

foto folhetimA janela denunciava a intimidade do casal vizinho. Ele não era xereta, não se metia na vida alheia, mas aquela janela o informava, até quando fechada, de manhã; o aroma denunciava que eles tomavam café. Se fechada às pressas, era que eles já haviam saído ou estavam saindo. À noite, também fechada, anunciava que eles ainda não haviam voltado, ou estavam no dormitório. No seu abre-fecha contínuo, a janela revelava muito da vida do casal. À tardinha, que eles estavam voltando do trabalho. De novo às escuras, que eles se preparavam para o jantar. Acesa de novo, que eles jantavam.

Ele vivia sozinho na avenida Boqueirão, em Canoas. Sua mulher morrera, não queria outra, que nenhuma seria como ela. Sem amigos, era um emparedado, só tinha alguma relação com outros através das janelas, aquela e as duas que davam para a rua.

A janela, às vezes, estava aberta, mas as lâmpadas apagadas. Outras vezes, por uma fresta da janela fechada ele via luz de lâmpadas. E o tempo passava. (Ou somos nós que passamos? – se perguntava). A janela-relógio marcando o tempo de vida do casal, amenizando a solidão que pesava sobre ele.
Ontem, a janela ficou fechada. Viajaram? Hoje, até esta hora, metade da tarde, na mesma. Ficou acordado, vigiando, até tarde da noite. Cansado, adormeceu.

(Ela dormia, um seio branco se destacava sobre o lençol rosa. Ele beijou a boca que lhe era negada e, com seu travesseiro, a sufocou. Os braços, que não usava para abraçá-lo, penderam inertes após o esforço para afastá-lo. Morta, estava vingado da traição. Ela pensava que ele não sabia? Dentista, cabeleireira etc, pretextos aceitos até quando a desconfiança o levou à descoberta. Agora, se existe o outro mundo, ela curtiria o arrependimento. Mas, ele, o quê fazer agora? Girou, mosca tonta, apertando a cabeça com as duas mãos e sentou na cama a chorar enquanto contemplava aquele corpo que, inúmeras vezes, não pudera acariciar. Foi à cozinha, fitou as facas afiadas, voltou a contemplá-la, chorou novamente.

Pareceu refletir e correu à porta da frente, que bateu com força ao sair).
O barulho da porta o acordou e ele foi ver se alguém chegava. Era a empregada do casal.
– Vizinho, o senhor me alcança a escova que deixei cair no seu pátio? Meus patrões voltam da viagem, hoje de tarde, e tenho de entregar tudo limpo, arrumadinho, o senhor sabe como é…

Sair da versão mobile