Rogério Ceratti Filho*
Meu “vô” possui noventa e dois anos, sua dificuldade de audição faz com que longas conversas sejam um pouco mais difíceis. Quem é mestre em resumos pode se tornar seu melhor amigo. Eu me considero, continuo mantendo o diálogo com ele.
Com calma, fala pausada, compreende tudo e a todos. Mas se tiver muito barulho no ambiente ele já não escuta mais nada.
Desde que me conheço por gente sei que ele usa aparelho de audição. Isso não é consequência da idade, mas por ter sido durante anos exposto a muitos ruídos e outros fatores da vida.
Mas meu “vô” mesmo diante deste tudo, que para mim é quase nada, mantém qualidades invejáveis, uma delas é o pensamento coletivo.
Acreditem ou não, no final de semana passado eu falei para ele sobre sustentabilidade, ele me disse que não recordava do que se tratava. Mas as ações dele demonstram o contrário.
Ele recolhe e vende o jornal que assina mensalmente. Guarda garrafas de plástico para recicladores. Limpa seu fusca (o rei da estrada como ele costuma dizer) com um pano úmido. Tudo isso para economizar água, reciclar garrafas e papéis, ações próprias sustentáveis.
Não quero que pensem que ele é ignorante por não saber o que significam as palavras. Ele sabe da importância da economia de água, que é ótimo reciclar, que é exemplar recolher e vender o jornal. As atitudes dele são sustentáveis, mesmo que ele não saiba que essa nomenclatura esteja em um dicionário.
Ele tenta deixar um mundo melhor, fazer o seu mundo melhor, dar exemplo para uma próxima geração. Grande seu “Tidinho”, ou “Didinho”, assim que os amigos chamam ele. Para mim é apenas “vô”, ou “Seu Alcides”.
É uma pessoa maravilhosa. Os bons exemplos que me deixa, e certamente para muitos, são superiores e acabam ofuscando qualquer defeito que possua.
Meu “vô” é uma pessoa do bem. E, mesmo que hoje sejam poucas as pessoas que o visitem, essas raras retornam para suas casas com um aprendizado. Não conheço uma pessoa que não goste dele.
Fico até emocionado escrevendo esse texto, pensando que com o passar dos anos as pessoas que amamos também ficam mais velhas. Em algum momento não estaremos mais juntos.
Naquele dia que falei sobre sustentabilidade com o “vô”, fui embora mais admirado, não ensinei nada, apenas aprendi. Ele é uma dessas pessoas que não teve oportunidade de aprender na escola alguns significados. Aprendeu com a vida.
*Advogado e Escotista