Faz um tempo eu venho pensando em falar sobre isto, mas é tão constrangedor debater quando a mentalidade da grande maioria está engessada num formato tão egocêntrico, que penso ser mais fácil conversar com uma criança; num futuro breve, talvez, explicando o que se refere o termo, na sua base, a um de meus sobrinhos, que têm tudo, são apoiados e pouco entenderão, seguindo nesse processo educacional que vêm tendo, o contrário disso, eu lhes diria: Meninxs, mérito é o mesmo que merecimento. E vocês merecem o melhor! Mas, e qual criança não merece? Um bandido já foi uma criança, por exemplo. E eu me pergunto como fora sua infância…
A palavra em questão tem sido muito usada ultimamente. Que problema grande nós, sociedade, temos quando isso se torna padrão de pensamento sobre direitos cíveis. Que problema enorme nós temos quando a ideia da meritocracia – que significa exatamente: sistema ou modelo de hierarquização e premiação baseado nos méritos pessoais de cada indivíduo – norteia as discussões sobre o conceito de sucesso, uma vez que NÃO, nós não temos todos as mesmas chances e oportunidades. Pois, segundo essa definição, o processo de aprimoramento profissional e social é uma consequência dos méritos individuais de cada pessoa, ou seja, dos seus esforços e dedicações. Isto sendo insanamente considerado justo num país onde o índice de analfabetismo atinge quase 30% da população. Isto sendo considerado modelo de incentivo em um país no qual 20 milhões de pessoas vivem na pobreza extrema.
Fácil para nós, classe média (mesmo que baixa, afinal, pobreza não é mais não ter o que comer e sim não ter um tipo bacana de celular) julgarmos estes merecimentos quando não fomos humilhados por uma política egoísta que só visa lucros, feita por brancos poliglotas e que têm orgulho de viajarem pela Europa com sua família nas férias enquanto o país do qual são funcionários afunda numa lama que nem é tão metafórica assim.
Fácil para quem não é negro, pobre, gay, alternativo e/ou fora de qualquer padrão dito como regra de beleza e orgulho falar sobre meritocracia. Fácil para a mãe que pôde contar com ajuda para criar seu filho ostentar o diploma do mesmo e dizer que não fosse a dedicação dele, não teria como. Ao passo que muitos meninos da mesma idade precisam catar lixo para ajudar sua família, dedicando ali um esforço indizível e inimaginável para quase qualquer um que esteja lendo isto agora, afinal sabe ler e está tendo acesso a internet – artigo de luxo para praticamente um terço da população.
Meritocracia só cabe quando todos têm o mesmo acesso à informação, os mesmos direitos, a mesma educação, a mesma qualidade alimentar. Falar em meritocracia num mundo repleto de desigualdades é espezinhar quem tanto luta diariamente para sobreviver, sem tempo sequer de sonhar com um curso ou uma viagem para fora desse país que tanto lhes ignora, rouba e mata.