Timoneiro

Café e esperança

Opinião atualizada

É uma manhã normal – se é que isso se pode definir. Apenas sei que carros se acumulam nas ruas, guiados por pessoas atrasadas, com frio na gélida Porto Alegre, irritados, com dor, tristes, ouvindo música, apertados nos coletivos, sonolentas. Muitas delas indo para aonde não queriam ir.

Nos postos de gasolina, alguns frentistas fazem sair fumaça de suas bocas ao respirarem o ar congelante enquanto reabastecem nossos carros quentinhos. “Vai pagar no cartão?”. Só queremos um café. Todos nós. Precisamos de boas notícias também.

No trabalho, colegas comentam as manchetes do dia. Nada anda bem. Leio sobre o atirador da casa noturna nos EUA. Acho horrível. Infelizmente, nada de novo, apenas a prática daquele ódio que vemos diariamente sendo fomentado por quem está no poder. Me sinto impotente. No telejornal, a moça diz que vai esfriar ainda mais e teremos neve. Em seguida, uma matéria revela que cinco pessoas em situação de rua morreram na madrugada anterior em função das baixas temperaturas. Uma ativista próxima minha, de outro Estado, acompanha e compartilha desoladamente o caso de uma vaca caída em um valão, cujo resgate se faz demorado e a faz sofrer durante horas. Outra amiga querida descobre uma doença no pulmão, e se encontra descrente dos tratamentos, pois não tem plano de saúde – já posso ver o saguão dos hospitais públicos lotados, comum desta época do ano. O assunto política começa a ser evitado nas rodas de amigos, está pesado demais, cada vez mais difícil de compreender. Minha geração que cresceu tendo como base a ideia de democracia, ainda que defeituosa em muitos pontos, não sabe lidar com a quase ditadura. Estamos perdidos e com medo.

Quando tudo parece apenas agruras, leio a coluna do Duvivier na Folha de SP, que diz “Não se mate ainda, não. Apesar de tudo de ruim que pode haver no mundo, dos Bolsonaros e Temers e Trumps, é sempre bom lembrar que, salvo exceções, o mundo está progredindo, sim. Devagarinho, claro. Mas está. Claro que está.”. Ele cita cantores jovens que dão alento àqueles que dizem que a arte está ferida juntamente com todo o resto. Fala nas peças de teatro magníficas, que nos inspiram para a vida. Ele fala da juventude que de perdida tem nada, e só diz isso quem não visitou as ocupações e/ou leu sobre elas. Ainda, sobre o machismo que não venceu, não… vide os inúmeros blogs feministas com seus serviços maravilhosos a toda sociedade.

São tempos difíceis sim. E concluo que, além de café, precisamos de esperança, mais do que nunca. Aliás, que casamento lindo desses dois. Respiremos fundo e tenhamos calma para reconstruir cada pedacinho de nós que foi destroçado pela vida, que não é fácil. Nem um pouco.

Ainda dá tempo de ser feliz.

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