Timoneiro

Fomos estuprados

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Meus olhos ardem, minhas mãos tremem. Minha cabeça parece que vai explodir. O coração dispara. Para! Tudo. Uma menina foi estuprada por 33 homens. Parem todos! Para tudo, agora!
O que fere mais nem é o fato em si, por mais nauseante que ele seja, por mais absurdo, por mais assustador e revoltante. O que assassina a esperança aos poucos é o fato de isto ser antigo, pauta de luta contrária há décadas. Prova cabal de nossa estagnação na reconstrução do respeito, nos estudos e práticas acerca da honradez humana e sobretudo feminina. Prova de nossa impotência diante do machismo diário. Prova de nossa incapacidade de proteger – como sociedade, irmãos, pais, tios, professores, policiais, amigos, ativistas – uma menina de 16 anos. Quem pode nos proteger quando o inimigo está no poder?
É claro que estes estupros acontecem o tempo todo. Há séculos. Dentro de casa, na casa do amiguinho, na infância, na adolescência, na rua, nas penitenciárias, na vida adulta. Ninguém está surpreso. O que nos tira o fôlego é a tamanha covardia e o pouco avanço pragmático das relações.
Por quê será que tudo está tão silencioso?! O almoço na mesa… Pessoas nas salas de espera de clínicas de cirurgia plástica, lendo revistas de moda… No supermercado… Alienados trocando receitas de bolo, dicas de viagem… Sim, alienado, você! Um amoral. Como você pode ser tão babaca e insensível diante da enxurrada esquizofrênica em nossa fachada moral?! É que você é o boçal que concorda com estas práticas (aliás, é bem comum que caras bem aventurados tenham perdido sua virgindade estuprando animais em fazendas, é tão engraçado!). É por você que acha muito ruim, porém normal, afinal homens são assim. Você que acha horrível, “mas não foi comigo”; “cadê os pais desta menina que deixaram isto acontecer?!” A culpa é sua também, analfabeto político que apoia retrocessos. Sua, ignorante que critica sem conhecimento a causa feminista. Você aí, masturbador cibernético, em busca de diversão na madrugada, tratando tudo à base de comentários raivosos sob o escudo de uma tela de computador; zero na prática, zero em resultado positivo, zero em ajuda ao próximo, zero em empatia, um zero à esquerda. Você que está neste momento lendo isto, achando que não estou falando de você também, se liga! Pare de planejar as férias. Pare de falar de fofoca. Pare com as selfies, chega de trocar tantas vezes a foto de perfil do facebook! Tá feio, tá chato, seu inútil social!
Agora, vamos falar desta menina, não adianta dizer que “nem quero saber, porque me sinto mal”. Isto não resolve, e enquanto não nos convencermos de que todos nós temos que fazer parte das decisões, o mundo vai continuar assim. Um esperando que o outro conserte os erros de toda uma população, que mude conceitos de gerações e gerações, “comigo apenas pensando no meu umbigo e fazendo o jogo do feliz nas redes sociais”. As pessoas não estão educando seus filhos ao abafar esta realidade, fortalecendo, assim, essa cultura retrógrada nos guris e gurias que, um dia, terão seus papéis delineados em situações semelhantes futuras. Ao passo que poucos realmente se arriscam na busca por mudança, sofrendo quase uma ditadura nas escolas e universidades (professores), indo pras ruas, atuando nos coletivos de mulheres, escrevendo artigos, debatendo criminalidade, fazendo seu papel de cidadão, se importando de verdade.
Comportamentos como este não vão mudar facilmente. Infelizmente, será preciso esperar que esta geração de crianças de hoje assuma o poder para que, quem sabe, isso passe a ser visto como algo hediondo que de fato é.
Mas enquanto isso, falemos disso em casa, na padaria, na igreja, na praça, no shopping, na boate. Não calemos diante da barbaridade. O silêncio muda nada. É por causa dele que estamos aqui agora, discutindo o direito da mulher, do adolescente, da integridade física e psíquica do indivíduo em plenos anos 2016.
Estupraram a todos nós e você nem viu. Estupraram a gente na nossa cara. Nos estupram há anos. Estão nos estuprando neste momento. E a culpa é sua. É nossa. Durmamos com este barulho. Ou melhor, que tenhamos insônia.

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