[…] qualquer um que fizer o mínimo esforço poderá ver o que nos espera no futuro. É como um ovo de serpente. Através das membranas finas pode-se distinguir o réptil já perfeitamente formado.
Hans Vergerus
Os acontecimentos da sexta-feira, 4 de março, que para muitos colunistas ficará na história deste pais, para uns como um erro gravíssimo da Justiça, para outros como a compreensão da força messiânica de um grande líder de massas, foi o estopim para que a imprensa internacional percebesse o que realmente estava acontecendo aqui. Sem entrar em discussão jurídica, que não é minha área, deixo isso aos especialistas.
O que assusta são as reações. Por um lado a espetacularização de um simples depoimento, defendida, segundo alguns, pela importância do depoente. Por outro lado, a reação popular, tanto a favor como contra. Mas o que tudo isso tem a ver com o filme do grande Bergman?
Vejamos este comentário do NPC de comunicação em um de seus artigos :
“David Carradine é Abel Rosenberg em O Ovo da Serpente. Um trapezista judeu que vê o seu mundo desmoronar a partir do suicídio de seu irmão. Liv Ullman é a cunhada Manuella, uma cantora de cabaré. Seu drama se desenrola em uma semana. Eles assistem apavorados o deterioramento moral da sociedade alemã e a caminhada dos judeus para o matadouro. Abel tem a oportunidade de sair da Alemanha. Não o faz. Perde-se entre pedestres. Havia saída, mas elas não eram percebidas. Ou a cegueira já havia contaminado a todos?”
Será que a cegueira tomou conta de todos? O livro “Ensaio sobre a cegueira”, do mestre Saramago, foi profético? Somos incapazes de ter o mínimo de raciocínio antes de atacar nosso vizinho quando ele discorda das nossas posições políticas? O filme “o Ovo da Serpente” mostra a canalização nos judeus do ódio das massas frustradas pelo desemprego, pós-crise de 29, e pela inflação. Hitler mesmo culpava os judeus por não achar um emprego. No Brasil se canaliza tudo a um partido político, a uma pessoa, esquecendo o conjunto da classe. Sem defender bandeiras partidárias, mas a história política deste país deixa seria dúvida, salvando, quiçá no meio político, honrosas exceções, como também aconteceu na Alemanha.
Em uma cena do filme, um grupo de jovens alemães obriga dois judeus a lavarem uma calçada com escovas. O policial passa, vê a cena e nada faz. No Brasil, jovens, principalmente negros e pobres, sob a mínima suspeita, são amarrados em postes e espancados. Autoridades são xingadas em lugares públicos e, o mais triste, a polícia só aparece depois, quando aparece. Isso sem mencionar que a escolha de vestir uma camisa vermelha já é motivo de ataque nas ruas.
Estamos canalizando a nossa frustração para o lugar errado. Nessa época, na Alemanha, o “imobilismo da socialdemocracia com os avanços da direita permitem a ascensão do nazismo (Partido Nacional Socialista – “Nazismo”), ou seja, de um movimento fascista, ultra-nacionalista e xenófobo”. Parece assustador? Vendo algumas cenas nas ruas, não estamos muito longe de um confronto, como assinala o historiador Lionel Richard, “Todas as greves, motins e levantes populares seriam reprimidos com um rigor impiedoso”, alguma semelhança com o momento brasileiro atual? O Brasil é uma grande nação, e seus cidadãos saberão escolher o melhor rumo. Acredito que haverá uma transformação, sobretudo em como se olha e se compreende a política, pois nela não há cabeça de prego para bater. Somos todos coadjuvantes no mesmo cenário.
O momento atual merece recolhimento e reflexão. Não nos deixemos inflamar pela frustração e pelo ódio, escutemos mais e falemos menos. Deixo aqui a reflexão da Professora Claudia Santiago:
“Em Ovo da Serpente, Bergman faz uma exposição memorável da história. Revela pela suas lentes o medo e o futuro tenebroso que chegaria em breve. E, por fim, leva o expectador a pensar: quem são os fascistas? Como crescem? Em que condições? Quem os apoia? Como é um processo de fascistização da sociedade? E hoje, o que estamos vivendo?”