O homem criou os Deuses, com seus céus e seus infernos. Não vamos entrar aqui em um debate filosófico/antropológico, mesmo que opinar sobre sociedade e política o seja. Mas não podemos deixar de saber que a antropologia, sendo a ciência da humanidade e da cultura, tem um campo de investigação extremamente vasto. Para o saber antropológico, o conceito de cultura abarca diversas dimensões: universo psíquico, os mitos, os costumes e rituais, suas histórias peculiares, a linguagem, valores, crenças, leis, relações de parentesco, política, economia, arte, entre outros tópicos. Portanto, antes de postar um comentário do tipo “falta de cultura ou povo sem cultura”, leia bastante.
As “manifestações” do dia 13, para quem estuda ciências sociais, foram prato cheio e com sobremesa abundante. Ou para quem, estrangeiro como eu, tenta entender um país extremamente complexo. Mais complexo que a Argentina, por exemplo, que cria seus mitos com facilidade. Perón, Che Guevara, Maradona, que já tem até sua igreja Maradoniana, ou apropria-se de algum de fora, como no caso do Uruguaio Carlos Gardel.
Mas voltando aos “atos” do último domingo, pude perceber, como os Brasileiros estão à procura desse mito que os represente. Digamos, desde o retorno da democracia, ainda que pese – e muito na cultura brasileira – a figura do rei ou da monarquia, cujo pedido de retorno não faltou. Tancredo Neves despontou como sendo um “líder” e não um mito, capaz de articular uma difícil caminhada de reconstrução e revitalização das instituições democráticas. Nem sequer chegou a assumir. A história que segue todos conhecemos.
Tivemos Sarney como sucessor natural já que era vice de Tancredo. Logo apareceu o “Caçador de Marajás”, e, acho que foi a primeira vez que tivemos um candidato fortemente apoiado pela mídia. Era forte a sensação de que tentava se construir ali um mito ou um salvador. Logo, Itamar Franco foi mais um que entrou no vácuo deixado por Collor. O Brasil, ali, aprendia uma nova palavra: “Impeachment”. Fernando Henrique aparece novamente como um salvador, se elege por duas vezes, mas não consegue alcançar a mitologia e tem uma liderança questionável. Seu governo, ainda hoje, é questionado em varias áreas. Durante todos esses governos, um homem fazia uma caminhada crescente, articulando uma proposta nova para o Brasil. Alinhado com algumas idéias de esquerda e aproveitando a onda progressista na América Latina, Lula chega ao poder.
Lula é um líder nato. Sim. Por que para ser líder não se estuda, se nasce. Não há diploma que torne você um líder. Carisma e personalidade vêm de nascença. Questionar a liderança de Lula é questionar mais de 50 universidades no mundo que lhe deram o titulo de Honoris Causa, questionar lideres mundiais, entre eles Obama e Putin, que sentem admiração por ele. Para quem veio da pobreza ou ainda se considera pobre, a biografia de Lula é inspiradora. Não pretendo que quem nunca teve na vida só um par de chinelos entenda. Mas você dirá: Lula é um mentiroso, um ladrão, como pode ser inspirador?
Por que eu ainda acredito na presunção de inocência, como disse Canabarro Trois filho, em sua coluna para este mesmo jornal, “tomara que Lula seja inocente” porque, ”seria desumano desejar que alguém seja desonesto, criminoso. Humano é desejar que todos sejamos inocentes”.
Por fora, nessa busca desesperada de um mito salvador, de um Sassa Mutema*, já estiveram, Aécio Neves, candidato a Presidência, Joaquim Barbosa, há época juiz do STF, e até Bolsonaro (sim, Bolsonaro!). No domingo, a aposta era elevar o Juiz Sergio Moro a essa condição. Mas a variação é tanta por que falta biografia, falta história, não basta o diploma ou sobrenome.
Precisamos de líderes, pois eles são de carne e osso como nós. Comem, dormem e sonham como nós. Ficam gravados para sempre nos livros de história. Já a maioria dos mitos envolvem uma força sobrenatural ou uma divindade, mas alguns são apenas lendas passadas oralmente de geração em geração.
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*Sassa Mutema era o personagem principal da novela “Salvador da Pátria”, da Rede Globo. Muitos até hoje acreditam que o personagem principal era inspirado em Lula.