Timoneiro

Opinião: O que nos define

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“Eu olhando o mundo da minha janela, cheia de árvores… me parece tão lindo. Os pássaros, livres, voando, cantando, sem hora ‘de silêncio’. Sem regras. Eles são seres de sorte, penso eu.

“Espere, deixe-me apresentar. Meu nome é X. Bem, eu não sou livre. E minha história, digamos, não é original. Quem dera.

“Vou contar. Acho meu corpo lindo. Mas não aprecio a ideia de que ele me aprisione. Ele é meu corpo, e eu o amo, veja bem, eu o amo. Porém, ele não me define, de forma alguma. São ossos, veias, músculos, formas. E eu sou algo como um pacote recheado de pequenas bombas prestes a explodir. Eu sou um ser repleto de vontades. Meus desejos não seguem normas, eles ardem em meu peito.

“Por vezes, me sinto uma arte abstrata presa num quadro, sendo observada por olhares curiosos, tentando me definir. Mal sabem que eu não tenho definição. Tampouco preciso de uma. E era isso que eu queria dizer, esse tempo todo. E talvez tenha dito… sem entendimento ou interesse.

Eu sou, sim, ossos, pele, músculos, pelos, unhas… por fora. Tenho sangue correndo em minhas veias. Meu coração bate. Eu suo. Eu sinto sede. Eu tenho um pênis. Eu gosto de músicas.

Sou uma garota que não gosta de bonecas. Não curte vestir rosa, não por nada, só não curto mesmo, porque não sou obrigada.

“Eu tenho os cabelos compridos, porque gosto mais assim. Me olho no espelho, e gosto do que vejo. Misturo batas com roupa militar, porque acho maneiro. Uso batom vermelho, mesmo tendo um pênis. Mesmo não querendo tê-lo.

“E como eu disse antes, minha história não é original – é só mais uma. Mas eu sou única. Só eu tenho a minha cor (negra), os meus olhos, meu tamanho e minhas curvas; minhas ideias e sonhos; minhas manias, meus medos, paixões…

“Nossos instintos não podem ser lapidados, ou moldados. Eles sobreviverão a qualquer regime de opressão. Eles seguirão vivos, intensos, em nossos interiores, em nossas mentes, em nossos corações. Não se iludam com a cura do que não há doença. Nenhum ser deixa de sentir a sua essência.”

Este texto que vos escrevo é inspirado em milhares de pessoas que não se identificam com seu gênero de nascença. Que choram, sofrem, são humilhadas e assassinadas todos os minutos nesse mundo que tanto amamos. Morrendo por amor… a si mesmos.

É, também, uma pequena homenagem à jovem Kayla Lucas França, que jogou-se pela janela de seu apartamento na madrugada do dia 3 de fevereiro deste ano, tirando sua vida. Ela era uma menina transgênero.

 

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